Com quase 30 longas-metragens de ficção em sua carreira, Martin Scorsese (O Irlandês, de 2019) se aproxima dos 81 anos em sua melhor forma como diretor. Com a estreia mundial de seu mais recente filme nesta quinta-feira (19), pouco menos de um mês antes de aniversário, o cineasta prova que ainda tem muitas histórias para contar com o seu jeito tão particular de fazer cinema. Assassinos da Lua das Flores é uma retomada não apenas de uma parte esquecida da história estadunidense como também é um mergulho num Scorsese do início da carreira.
Existe uma clara mescla de tons na estrutura narrativa do longa. A dupla Scorsese e Eric Roth (Duna, de 2021) criam um épico dramático com senso de humor. Ainda que aborde um tema repleto de tensionamentos como o processo colonizador e dizimador do povo indígena nos Estados Unidos, a dupla de co-roteiristas consegue o fazer com um humor tão sádico quanto os acontecimentos vistos em tela. Por vezes, as desventuras e improbabilidades de Assassinos da Lua das Flores soam quase como uma versão coeniana de um filme do Scorsese.
Essa série de eventos trágicos e chocantes, escrita pela dupla Scorsese-Roth, é uma adaptação do livro homônimo de David Grann. E é a partir dessa obra não ficcional que os roteiristas mergulharam para construir uma narrativa que fosse pungente e relevante nos dias atuais. Ainda que seja mais latente em seu país de origem pela descrição de crimes reais, a relação de exploração entre povos originários e colonizadores é uma dicotomia que, infelizmente, abarca boa parte do mundo por suas histórias de formações e invasões dos respectivos países. Dessa forma, Assassinos da Lua das Flores é capaz de tocar numa ferida aberta não só estadunidense, mas global.
Retomando o tom tragicômico da produção, Martin Scorsese retoma uma dinâmica há muito esquecida por ele, como as criadas em seus clássicos como O Rei da Comédia (1982) e Cabo do Medo (1991). Existe uma picardia que paira sobre os desventurados acontecimentos com a Nação Osage e ela é o fio condutor dessa longa narrativa. É justamente esse sentimento de deboche e ironia que conseguem prender o espectador durante as 3h26 do filme. É esse tom que faz de Assassinos da Lua das Flores uma das principais promessas para o Oscar 2024 – não apenas na categoria de ‘Melhor Filme’, como ‘Melhor Direção’ e ‘Melhor Roteiro Adaptado’.
Outro ponto de sustentação do projeto é o seu elenco. Como já se espera de uma produção assinada por Scorsese, seus atores e atrizes entregam performances estonteantes. E, numa narrativa como Assassinos da Lua das Flores na qual se tem espaço para o cômico e trágico, o elenco se aproveitou ainda mais para entregar interpretações dignas de atenção da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. É preciso, no entanto, falar de forma individualizada sobre três performances: Leonardo DiCaprio (Não Olhe para Cima, de 2021), Robert De Niro (Amsterdam, de 2022) e Lily Gladstone.
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Juntos, os três são o elo principal de Assassinos da Lua das Flores e o conduzem de forma majestosa. O excessivo tempo de tela da produção é tolerável porque existe uma coesão total entre cada setor do projeto e, principalmente, entre a direção e seu elenco. No caso dos três intérpretes citados, porém, o trabalho excedeu as expectativas. DiCaprio e De Niro, ainda que sejam nomes conhecidos, entregaram um dos mais fenomenais trabalhos de suas vidas. E a dinâmica criada pela contracena dos dois é mágica a partir dessa relação disfuncional de tio-sobrinho/mente criminosa-capanga.
Quando o assunto é Lily Gladstone, no entanto, o mundo para. A atriz encanta o público desde sua primeira aparição e vai ganhando espaço e força em Assassinos da Lua das Flores ao longo do seu decorrer. Sua personagem percorre todos os picos e vales permitidos pelo roteiro e o faz com maestria. É uma entrega de tirar o fôlego e digna de um Oscar. Até então, uma das apostas mais concretas e crescentes da temporada de produções e, sem sombra de dúvida, um nome que significaria muito estar na 96ª edição do Academy Awards.
Como dito anteriormente, Assassinos da Lua das Flores chega aos cinemas para entrar no hall de melhores filmes do diretor e, com isso, obviamente seus departamentos também merecem destaque. A fotografia e o conjunto da arte merecem aplausos. A construção imagética do longa é de tirar o fôlego. Só pela cena de abertura com o petróleo jorrando no chão ou uma cena mais ao meio do filme com a distorção de corpos causados pelo fogo já são dignos de prêmios. Além disso, cada parte da arte também é digna de indicações, como o figurino, o cabelo e a maquiagem e, principalmente, a direção de arte pela construção e coordenação desse pedaço perdido da história de uma nação.
Assim, o 26º filme ficcional de Martin Scorsese é entregue ao público com uma promessa de grandiosidade. Mas não se engane, o cineasta entrega o que promete ao espectador – tanto por ter um tempo de tela mais do que suficiente como por seu brilhante jeito de fazer cinema. Scorsese se mostra uma figura viva e relevante neste momento de blockbuster e longas de super-heróis. E o diretor parece fazer questão de provar para quem quiser ver que uma história como essa merece e precisa ser contada. Assassinos da Lua das Flores é um manifesto do cinema scorsesiano se mostrando poderoso e necessário.
Assista ao trailer de Assassinos da Lua das Flores: