O Sobrevivente se perde na ação desenfreada e entrega uma experiência mediana, apesar do potencial enorme | Crítica

O Sobrevivente tem uma premissa fácil de comprar: um homem desesperado faz o impensável para salvar a filha doente. Existe ali um terreno fértil, um drama humano que poderia sustentar um grande filme. Mas essa chama inicial dura pouco, e o longa rapidamente se entrega a uma ação desenfreada — e nem é aquela ação empolgante, catártica, são cenas apressadas, cheias de cortes bruscos, como se a montagem estivesse sempre tropeçando em si mesma. O resultado é uma experiência confusa, que tenta ser frenética, mas nunca realmente envolvente.

A distopia apresentada até tem potencial, com ecos claros de Round 6 e 1984, um flerte distante com a anarquia estilizada de V de Vingança. Mas tudo é usado de forma rasa, quase artificial, com o filme montando seu mundo a partir de arquétipos desgastados, sem desenvolver nenhuma ideia até o fim. As críticas sociais, que deveriam ser um dos pilares da trama, param no lugar-comum. São tão explícitas e superficiais que se tornam previsíveis, incapazes de causar impacto.

A grande questão de O Sobrevivente (The Running Man, no original) é que nada aqui é realmente novo. A narrativa do “homem da classe baixa entrando no sistema para lutar contra o próprio sistema” já foi contada inúmeras vezes, só que, desta vez, vem esvaziada. Falta alma, falta força. A luta do protagonista quase nunca convence; a urgência se perde no caminho.

Quando Ben Richards (Glen Powell) decide entrar no programa mortal para conseguir dinheiro para os remédios da filha, é como se o roteiro simplesmente corresse para o final: as coisas acontecem, mas não sentimos o peso delas. Não há progressão e nem perigo real, não há a sensação de que algo pode dar errado.

Essa simplicidade extrema, somada a falhas narrativas, transforma vários momentos em algo bobo. As cenas de ação, que poderiam ao menos segurar a experiência, também não ajudam. São inseridas como quem cumpre um checklist obrigatório de filmes do gênero: luta aqui, perseguição ali, um confronto rápido acolá. Pouco importa se a cena faz sentido na trama ou se acrescenta algo na construção do personagem. É ação pela ação, para manter o público distraído enquanto a narrativa se desfaz.

Para mais, Glen Powell faz um bom trabalho dentro do que lhe é permitido, mas também não surpreende. É mais um dos seus muitos tons de “nice guy”, arquétipo no qual ele parece determinado a se consolidar. Powell tem talento, isso está claro, mas aqui não encontra espaço para escapar do papel que o persegue. E, mesmo com nomes fortes no elenco — como Colman Domingo e Josh Brolin — nada de fato se destaca. Todos parecem presos em um filme que não sabe muito bem o que quer ser.

É curioso perceber como O Sobrevivente tem medo de suas próprias ideias: ele se aproxima de temas políticos espinhosos, quase toca em feridas importantes, mas recua sempre no último segundo. A anarquia sugerida pela premissa se dissolve em um comentário tímido, raso, quase infantil sobre o sistema e seus privilegiados.

No fim, o filme é uma mistura confusa de rebeldia bem-intencionada com execução desastrosa. Tem uma ou outra fagulha de emoção explosiva, suficiente para manter o público minimamente preso, mas nunca o bastante para transformar a experiência em algo memorável.

E o pior de tudo é que O Sobrevivente tinha tudo para ser mais. A ideia era boa; o elenco era bom; o diretor (Edgar Wright, Em Ritmo de Fuga) era capaz. Mas o filme escolheu o caminho mais fácil, mas também mais previsível, e terminou abraçando a mediocridade. Ele entretém, claro, mas a todo momento deixa evidente que poderia ter sido muito, muito melhor do que é. E isso derruba o filme. No fim das contas, O Sobrevivente não é ruim, pior do que isso: é esquecível.

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